Não sei por que nem desde quando venho vagando por esta estrada. O passado é nublado e inalcançável, de qualquer forma não consigo me lembrar de nada. Só da infinita estrada. Pode ser há dias, meses, não sei. Também não sei o que me faz continuar. Eu poderia parar. Poderia voltar. Poderia seguir uma trilha, ir para outro lado. Mas continuo seguindo em frente. Há alguns dias me pergunto por que não sinto fome ou sede, apesar de estar vivo. Outra coisa estranha é não haver nenhuma outra alma viva por perto, nem um único carro desde que me lembro estar vagando.
Resolvo parar. Olho para o céu, um alaranjado pôr do sol com algumas nuvens. Nenhum pássaro. Acho que preciso continuar seguindo em frente.
Mas antes, coloco as mãos nos meus bolsos e encontro algo. Um caderno? Não sei porque nunca pensei em colocar as mãos no bolso antes, aliás. Abro-o e me deixo absorver em seu texto:
"Eu preciso deitar no meio da rua à noite e não me preocupar se há algum carro vindo. Eu não preciso me apegar tanto à vida, pois se apegar a ela é o mesmo que se apegar à morte, e se apegar à morte é o mesmo que morrer, pois que vida é essa em que não se vive realmente, apenas se evita o inevitável e inexorável fato da morte?
Não. Subir numa árvore e observar tudo lá de cima, enquanto o cheiro das folhas e flores invadem amigavelmente meu ser. Subir uma montanha e sentir uma nuvem passando por mim, enquanto aspiro o indefinível cheiro de chuva condensada. Mergulhar numa cachoeira gelada, num mar com corais e ver peixes voadores.
Tudo isso é viver. Tudo isso é esquecer da morte e aceitar o fato de que cada momento e cada pedacinho de sentimento vale a pena. Aceitar o fato de que a vida não é uma obrigação ou um fardo ou qualquer outra coisa parecida."
Paro. Quem quer que tenha escrito isso, provavelmente não gostaria de que alguém o lesse. Parece um diário, algo assim. E afinal, por que isso estaria no meu bolso?
Guardo o diário e continuo a caminhar, sem propósito. Começo a pensar que talvez não haveria problema em ler aquilo. Ora, sequer sei a quem pertence o dito cujo. "Pertencia", penso. Agora é meu.
"Consegui fazer algumas das coisas que eu pretendia. Mas não é suficiente. Não estou vivendo o suficiente. Não estou esquecendo da morte por tempo o suficiente. Ainda estou muito preso às minhas obrigações, trabalho, tudo. Não é a vida que quero levar. Eu vou largar tudo, eu v"
O texto não tinha fim. Não tinha data também, nenhum deles. O que é bem estranho para um diário, mas tudo bem. Ao menos estou feliz por encontrar algo para me distrair enquanto caminho.
"Agora estou perto do meu objetivo. Larguei tudo. Virar um andarilho não é das tarefas mais fáceis, mas é a vida que eu queria. Todos os lugares que conheci e conhecerei, a natureza, a solidão, a incerteza. Escrevo para continuar são, não que isso seja fundamental, pois o medo de enlouquecer também é um refreador, afinal enlouquecer, para muitos, é equivalente a morrer. Mas quero aproveitar o que tenho e registrá-lo, mesmo que ninguém chegue a ler."
Ué? Parece até que está falando diretamente comigo. Que fim levou essa pessoa? Poderia este diário conter a resposta?
Subitamente, não quero continuar lendo. Tenho uma forte intuição de que acabará mal. Reparo que já é noite, mas a lua cheia ilumina tudo de forma extremamente rara. Por sorte, também não sinto frio. Mas parece estar realmente frio, pelos ventos, e psicologicamente consigo imaginar a baixa temperatura congelando meus ossos. Penso que eu daria tudo para sentir esse frio, por mais doloroso que fosse.
A verdade é que minhas sensações físicas e necessidades fisiológicas todas se foram. Mas eu posso lembrar como é sentir cada uma delas, e isso me conforta um pouco.
Como nada mais tenho a fazer, volto a pensar no sujeito do caderno. Estou num misto de curiosidade e receio, pois sei que inevitavelmente terminarei de ler e também sei que nada de bom tende a sair desta história. Oras, um caderno com pensamentos tão preciosos, o único companheiro dessa pessoa... Por que haveria de estar em posse de um completo desconhecido?
E então começo a imaginar que talvez eu seja um ladrão, um delinquente que roubou a blusa do pobre coitado. É terrível imaginar que nós mesmos possamos fazer algo assim, mas não lembro nada a respeito de mim mesmo, então não posso descartar nenhuma possibilidade. Evitando esse tipo de pensamento e vencido pela curiosidade, abro o caderno novamente.
"A verdade absoluta só se é alcançada desprendendo-se de qualquer obrigação ou coisa material. Essa é a verdadeira superioridade. Eu alcancei a verdadeira superioridade. Tenho pena daqueles que não conseguem sequer enxergar isso."
Tenho a impressão de que esse sujeito era doido de pedra. Nada disso faz sentido. Quem é ele para pensar ser superior a alguém? Ter pena dos outros por pensarem diferente dele? Parece apenas um hipócrita arrogante que nada tinha a fazer. Eu até me identifiquei com o início de sua teoria, mas depois pareceu tornar-se uma obsessão...
Canso do diário e o jogo fora pela estrada. Não quero saber sobre a vida de uma pessoa como aquela. Melhor continuar minha caminhada.
É então que percebo o quão semelhante a alguns trechos do diário estou agora. Sou andarilho, é verdade. E não tenho obrigação alguma, desde que me lembro. Uma sensação amarga percorre meu corpo. Percebo que aquele diário poderia não estar em minha blusa por acaso. Eu poderia descobrir algo sobre quem sou. Volto e o pego do chão, folheando o mais rápido possível até encontrar o texto seguinte.
"Eu me enganei. Eu me enganei, porém é tarde demais. Eu não acreditei em tantas coisas e me entreguei tanto àquela teoria ridícula e agora eu... Eu... É o fim, mesmo. Eu gostaria de escrever mais, ou nunca ter escrito nada nem partido, mas eu... Agora é tard"
Eu quero vomitar, mesmo não sentindo a necessidade física disso. Eu me sinto tão mal que preciso jogar o diário no chão. Após o texto inacabado há uma mancha de sangue grande e nada mais, nada mais mesmo. Será que essa pessoa morreu?
Ao pensar na morte do indivíduo algo estranho acontece. Eu olho para baixo e percebo uma mancha de sangue na minha barriga. Quero desmaiar e vomitar ali mesmo, quero pedir ajuda, mas meu corpo não obedece e sequer sinto qualquer dor. Olho ao redor, trezentos e sessenta graus, e não há uma alma viva. Eu estou sozinho. Um andarilho, sozinho, sem obrigações, sem ninguém para me sentir superior sobre. Agora eu sei. Aquele diário pertence a mim. Eu morri atropelado por alguma coisa nessa maldita estrada.
Eu sempre pensei que após a morte não há nada. Bem, pelo visto não há mesmo. Só um lugar infinito, solitário, em que somos privados das sensações físicas que nos fazem tanta falta.
Eu nunca tive medo da morte. Agora eu tenho.
Mas já é tarde demais.
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Olá, olá, calopsitas queridas! Eu gostaria de pedir perdão pelo chá de sumiço, de verdade, é a primeira vez que sumi desde que o blog começou. O título do post é o título do conto, mas também tem a ver com o que eu gostaria de dizer hoje. Bem, eu voltei, mas nem fui para lugar nenhum. Não morri. Simplesmente estou gastando 100% do meu tempo disponível para estudar para os benditos concursos que prestarei no final desse mês. Por isso, podem ficar tranquilos que após o dia 27 eu estarei de volta e trarei algumas novidades. <3 (spoiler: o aniversário do blog é em dezembro, hohoho)
E sobre o conto acima, o escrevi num dia cinzento e nublado e é um tanto perturbador mesmo. Minha ideia inicial era escrever algo sobre zumbis, mas bem, no fim saiu isso. Ainda assim, até que gostei dele. Me perdoem por não trazer algo mais elaborado, mas realmente estou dedicada aos estudos de última hora e a gente se vê no finalzinho do mês. <3
Beijitos o/
Desculpe Helo, mas eu infelizmetne tô correndo entre trabalhos e não pude ler o texto/conto, então pulei para o final. Eu estava com medo de que tu tivesse abandonado o blogger! Mas eu fico feliz que não tenha o feito e desejo um bom retorno e boa sorte nos estudos!
ResponderExcluirQuando puder, passarei aqui para e ler e ~quem sabe~ comentar, okay? >u<
Até logo o/
YOOOOO HELO \O/
ResponderExcluirEita nóis, logo depois que eu li esse texto me dou de cara com essa imagem no twitter (https://pbs.twimg.com/media/CwG2NFYW8AArEZB.jpg), será isso um sinal divino!? ~espero que não~
Enfim, sobre o texto... Sim, ele foi bem perturbador, mas eu acabo preferindo textos mais nessa vibe do que envolvendo zumbis, então alguém brilhou lindamente aqui com esse texto <3 Por algum motivo nunca me interessei por histórias de zumbis, sei lá acho que fazem muito escândalo com uns troços que mal conseguem andar (no caso de the walking dead, porque aqueles zumbis de Guerra Mundial Z são meio tensos!), mas como eu também nunca cheguei a assistir muita coisa relacionada com o gênero, nem posso falar muito '-'
Mas, voltando ao texto eu adorei ele <3 Amo essa vibe meio de solidão, aliás me lembrou até mesmo de uma pequena cena de Steins Gate (mas ao contrário do seu texto, a cena era mais cômica e talls).
Bem, boa sorte nos concursos, ultimamente todo mundo anda meio sumido Ç-Ç..... Hohoho teremos logo niver do seu bloguinho <3 Já vou avisando que quero ser convidada para a festa U-U
Até o finalzinho do mês O/
Kiss
Olá, Helo! \o/
ResponderExcluirPrimeiramente, desejo sorte nos concursos, e aguardo ansiosamente as novidades, hohoho.
Mesmo que a ideia inicial fosse sobre zumbis, o resultado do texto foi ótimo. Eu, particularmente, gosto desse "ar perturbador" que o conto apresenta.
O que mais me chamou atenção foi o texto encontrado dentro do caderno. De alguma forma mexeu comigo.
Beijos!
Olá~
ResponderExcluirBoa sorte nos concursos! Sei bem como é essa situação de ter pouco (quase nenhum) tempo para o blog por conta dos estudos T ^ T
Kissus~
Yuurei Neko
Neko Party