Cumprimentos do submundo, minhas memoráveis calopsitas! Como estão? Espero que bem! Eu estou bastante empolgada, então hoje vou direto ao assunto: trouxe a vocês uma história de "terror" (não tão terrível assim, risos) cheia de criaturas assustadoras como parte da blogagem coletiva de outubro do Together, o nosso tão esperado mês de Halloween! Não quero revelar mais nenhum detalhe, portanto deixarei vocês com o conto abaixo. Uma boa e terrível leitura a todes! <3
Palavras-chave: 10. Chuva - Sangue - Zumbis - Caldo de Cana
TW: Essa história pode conter uma boa dose de violência e palavrões, portanto a classificação é +16.
- SOCORRO!
Acordo num pulo, suando frio e aterrorizada; meu coração palpitando rapidamente, as roupas grudadas no corpo e o cabelo completamente molhado. Esse pesadelo, que me visita praticamente todas as noites e parece não ter previsão de ir embora de minha mente, parece sempre real demais. Como uma premonição ou algo assim. Sei que no mundo em que vivemos hoje, eu deveria estar grata por estar apenas sonhando e não vivendo isso de fato, mas quem sabe quando vai acontecer comigo? É só uma questão de tempo. Tempo este que é precioso, por isso me levanto e vou me lavar da melhor maneira que consigo nessa pocilga de hotel abandonado onde me encontro. Quero ficar o menor tempo possível aqui, antes que eles apareçam, já me sentindo culpada por ter me dado ao luxo de tentar conseguir uma noite de sono.
É claro que, quando você está sozinha no meio de um apocalipse zumbi, você está sempre em alerta. A sua arma, seja ela qual for - e você precisa ter uma - estará sempre na sua mão. Você pode até morrer ou virar zumbi, mas ninguém está disposto a fazer isso sem lutar. Por sorte, eu consegui uma peixeira nas minhas andanças e ela acabou se demonstrando uma ótima aquisição: corta zumbis como corta um pedaço macio de filé. Filé, algo que não como há eras. Aliás, nem consigo me lembrar da última vez que fiz uma boa refeição, ou uma refeição sequer. Com esse pensamento, minha barriga protesta. Ótimo, obrigada, cabeça.
Após me arrumar, ou pelo menos tentar fazer o melhor que posso para me manter limpa o suficiente, saio do quarto e vou à procura de matar aquilo que está me matando nesse exato momento: a fome. A chuva, fora do hotel, cai impiedosamente e aparentemente sem previsão de parar sobre a terra que estivera bem seca nos últimos dias. Muito bom, essa é minha chance de conseguir tomar um pouco de água - o tempo estava seco demais e água é uma raridade de encontrar nesses dias. Você pode até encontrar um córrego ou lago por aí, mas quem garante que a água é segura para beber? Quem garante que você não vá se transformar se tomá-la? Seguro a peixeira firmemente em uma mão, a mochila com meus suprimentos segura em minhas costas, a outra mão segurando a alça com força só para me lembrar que eu ainda estou viva e tenho forças para continuar. Com as sobrancelhas franzidas, o olhar determinado e a sanidade que ainda me resta, dou o primeiro passo para um novo dia.
O lugar onde estou agora, aquilo que um dia foi a cidade de São Paulo, é de dar pena. Tantos e tantos prédios, milhares de construções completamente abandonadas e caindo aos pedaços. Embora haja bastante lugar para se esconder por aqui, é na mesma moeda perigoso, já que você não sabe onde as criaturas estarão escondidas, onde terão entrado, onde terão morrido e ficado. Estar sozinha como eu, num lugar como esse... É uma faca de dois gumes. Claro, é mais fácil não ter ninguém para proteger e há menos chance de alguém te trair e te dar uma facada nas costas, mas é horrível ter de estar sempre alerta e por si. Além disso, estou ficando louca. Sei que estou ficando completamente maluca, sei que falo sozinha, sei que meu coração já virou pedra faz tempo. O que me diferencia dessas criaturas que tenho que matar todos os dias? Porque, honestamente... Acho que não tem a menor diferença, exceto que sou um pouco mais esperta do que elas.
A cidade ao meu redor parece sinistramente adormecida. Árvores, trepadeiras e arbustos crescem por toda parte, onde antes só havia asfalto e prédios. Construções em ruínas são aos poucos substituídas pela natureza que, pelo menos ela, reconquista seu espaço. Isso de certa forma é bom porque encontro animais com muito mais frequência, os quais me servem de refeição em momentos de desespero. As estações de metrô são os lugares mais importantes de se evitar. Quando o apocalipse começou, muita gente não acreditou no que estava havendo e quis sair para trabalhar como de costume, o que fez as estações e trens os lugares de maior transmissão no início; portanto, possuem muitos zumbis. Péssima ideia entrar lá. Sigo por uma larga avenida que fica à margem de um rio, no qual posso pular e nadar para longe caso algo aconteça. Antigamente, este rio era tão poluído que pular nele provavelmente significaria sua morte. Mas hoje, é a minha maior garantia de sobrevivência.
Caralho, eu tô com muita fome. O que não daria por um pastel com caldo de cana nesse exato momento. Acho que a pior coisa de estar num mundo tão estragado é essa: a saudade de coisas que a gente tinha antes e nem se dava conta do quão maravilhosas eram. Eu acho que nunca mais vou fazer essa refeição na vida. Não que eu tenha muita expectativa de vida mesmo. Absorta em meus pensamentos, percebo tarde demais que tem algo de estranho acontecendo. Meu cérebro processa em alguns milésimos de segundo: as gotas de chuva pingando no chão, o leve tremor da terra, a sombra atrás de mim. Quando me viro, a peixeira erguida em um ataque, meu corpo se move por puro instinto antes que meu cérebro possa processar tudo corretamente: dilacero o pescoço de um morto-vivo que estava perigosamente perto de mim, afastando-me logo em seguida de seu corpo que caiu a alguns milímetros de meus pés. Cortei-lhe também a cabeça ao meio para evitar que tentasse morder alguém. Olho para a direção de onde veio a criatura, e vejo o que mais temia: uma horda deles. Não consegui enxergar exatamente a quantidade, visto que a chuva estava acompanhada de uma neblina agora ainda mais acentuada que antes, limitando minha visão. Decido que o número é muito maior do que eu consigo combater sozinha, portanto resolvo correr o mais silenciosamente que consigo. Porque sei que, assim que os zumbis me ouvirem ou sentirem meu cheiro, começarão a correr e, nessa quantidade, esse vai ser o meu fim.
Por que esses filhos da puta andam juntos? Como se soubessem que são mais fortes assim? Tenho a impressão de que eles já são muito mais inteligentes do que se sabe. Talvez isso seja só um passo da evolução humana. Quem sabe essas criaturas vão chegar ao ponto de serem somente seres humanos, só que imortais e canibais? E aí vão comer uns aos outros até não sobrar mais ninguém? Só que não acho que seriam realmente imortais... Visto que, embora sua decomposição seja muito mais lenta, eles estão sim se decompondo. Talvez uma nova espécie de humanos que poderão viver milhares de anos e... canibais? Que seja, eu certamente não estarei mais por aqui quando isso acontecer. Ou estarei... Como um deles. É o destino de todo mundo que não se mata antes, afinal. Enquanto corro, olho ao redor para avaliar se há alguma construção que pareça segura o bastante - já que, com a chuva, o rio está sem condições e eu morreria afogada. Avisto então o que parece ser um galpão velho, mas com muros e portões bons o suficiente para evitar as criaturas, e me arrisco a entrar, escalando o muro. Na pior das hipóteses, posso ficar no telhado, no alto, até a horda passar.
Mas quando estou começando a subir, ouço grunhidos grotescos e inumanos e sei que a horda percebeu a minha presença e está correndo a toda velocidade atrás de mim. Puta que pariu. Começo a subir o mais rápido que posso, mas está tudo muito escorregadio por causa da chuva, o que faz com que eu escorregue mais de uma vez. Ainda assim, apesar do meu corpo fraco por causa da fome e da situação assustadora, a adrenalina me ajuda a encontrar forças suficientes para me içar para cima. Quando uma das minhas mãos atinge o topo do muro, que deve ter cerca de quatro metros de altura, sinto meu pé sendo agarrado e entro em pânico. Chuto com todas as minhas forças e torço para todos os deuses provavelmente inexistentes para que minhas botas sejam grossas o suficiente para evitar a mordida do zumbi, porque sei que ele vai tentar morder qualquer brecha de meu corpo que puder. Mas o que eu não esperava era que o maldito iria tentar me escalar. Sim, ele usou o outro braço para começar a se içar e eu sabia que a qualquer segundo ele estaria perto o bastante da minha perna para mordê-la. Então, uso o meu recurso mais útil: minha peixeira. Com um golpe desengonçado causado pelo ângulo estranho e a falta de força, já que estou usando praticamente tudo que me resta para me segurar com uma mão só na beirada do muro, consigo arrancar os dois braços do desgraçado num movimento único e aproveito a comoção que a queda do corpo dele causou para me içar de uma só vez para cima do muro. Avalio minha perna para ver se fui ferida, mas por sorte não houve mordida. Porém, a situação toda foi tão perturbadora que, assim que a adrenalina baixa de meu organismo, me vejo prestes a desmaiar. A última coisa que consigo ver ou talvez perceber são mãos agarrando minha blusa atrás de mim.
Quando acordo novamente, meus sentidos estão todos bagunçados. Pisco os olhos algumas vezes para limpar a visão embaçada, e começo a enxergar mais nitidamente, conseguindo assimilar um pouco o local onde estou. Meus ouvidos estão zunindo, mas o barulho vai diminuindo aos poucos. Meu corpo inteiro dói e sinto um gosto característico na boca: sangue. Levo alguns momentos para processar o que aconteceu, entender onde estou e como vim parar aqui. Olho ao meu redor e percebo que não sinto só gosto de sangue, mas cheiro também. Não entendo o que isso significa, mas não pode ser nada de bom. Me arrisco a levantar, mas meu corpo não obedece. Sei que desmaiei e lembro vagamente de alguém me puxando antes de desmaiar. Quem era? Uma pessoa? Um zumbi? Será que fui mordida? Agora procuro freneticamente pelo meu corpo algum sinal de mordida, mas, embora encontre diversos machucados e cortes, provavelmente causados pela minha fuga, não parece haver mordida alguma. Mas a procura me dá uma dor de cabeça muito forte e minha visão se embaça, portanto paro e decido ficar apenas parada ali até me sentir melhor. E é então que ouço uma voz.
- O que vamos fazer com ela? Eu acho que seria útil para nossa equipe. Você não viu como ela lidou com aqueles zumbis lá fora!
- Arriscado. Ela pode pertencer a alguma facção inimiga. E por que iria ajudar a gente? Quando acordar, vai achar que a sequestramos. Você viu direitinho mesmo se ela não está mordida?
- Eu tenho certeza absoluta de que ela não foi mordida, ok? Lembra que eu sou chamada de Olhos de Águia por um motivo? E outra, por que ela estaria andando sozinha se fosse ligada a alguma facção? E por que recusaria a se juntar a nós, se nós podemos convencê-la com comida e provisões? Temos tudo sob controle. Vamos, vai.
- Está bem, mas não me responsabilizo com nada. No primeiro deslize, ela morre.
- No primeiro deslize, a jogamos aos zumbis. Tá bom assim pra você?
- Ótimo.
Não consegui me mexer. Precisei de todas as minhas energias para prestar atenção a todo o diálogo, porque minha cabeça está latejando e eles aparentam estar num cômodo vizinho. Quer dizer então que um deles parece simpático e o outro quer minha morte. Tudo bem, é como as pessoas costumam agir por aí. Eles até que parecem legais, porque minha mochila ainda está aqui e minha roupa toda no corpo. Geralmente a primeira coisa que outras pessoas fazem ao encontrar alguém sozinho e ferido, é roubar e matar, se não fizerem coisa pior. Então eu meio que estou no lucro até agora. Decido que estou sem condições de fazer qualquer coisa, principalmente se essa coisa for fugir, então simplesmente fico lá me recuperando silenciosamente enquanto espero um deles vir falar comigo, o que vai acontecer uma hora ou outra. Nesse meio tempo, aproveito para olhar ao redor e consigo ver que estamos dentro daquele galpão que avistei. É um espaço bem aberto, embora abarrotado de coisas. Tralhas, tranqueiras. Aparentemente eles não se preocuparam em transformar o lugar num lar. Procuro por armas ou rota de fuga, mas eles seriam muito burros se deixassem isso à minha vista, então não há nada. Estou simplesmente no chão também. Provavelmente, se eles possuem suprimentos, devem guardá-los na sala onde estavam conversando, a qual consigo ver por uma entrada nos fundos, às minhas costas. À minha frente, fica o portão, completamente fechado e sem brechas para o exterior, embora eu possa ouvir claramente grunhidos dos mortos-vivos que provavelmente ainda estão lá fora tentando me alcançar enquanto nada mais interessante aparece para chamar a atenção deles. O que, aliás, pode demorar bastante a acontecer, já que essa área da cidade é bastante deserta.
- Preocupada com os zumbis? Fica tranquila, eles não podem entrar. É o lugar mais seguro que encontramos há meses. Embora nada prático. Prazer, eu sou Maiara. Te peguei quando você desmaiou. - Oh, então temos um nome e um rosto - uma moça morena, na verdade com traços indígenas, olhos bem escuros e cabelos curtos. Não deve passar de um metro e sessenta de altura, mas do ângulo em que eu estou, sentada no chão, ela parece imponente. Usa roupas básicas, uma calça jeans e uma regata preta, mas eu consigo ver o revólver na cintura dela. Ela parece realmente disposta a me ter como aliada, senão não se daria ao trabalho de me salvar naquela hora. Apenas a encaro, porque não confio suficientemente neles para dizer quem sou.
- Sem nome, então? Tudo bem, S/N. - Ela dá uma risadinha, porque aparentemente isso foi muito engraçado na cabeça dela. - O Carlos ali é meu amigo. Estamos juntos faz tempo, e ele é um pouco carrancudo e desconfiado, mas pode acreditar, ele é gente boa. E um bom aliado também, forte e ágil. O negócio é o seguinte: eu te quero na nossa equipe. Achei sua habilidade monstruosa ali fora. Como conseguiu fazer aquilo com o facão?
A peixeira! Olho para os lados instintivamente, procurando-a, mas não está comigo. - Cadê?
- Desculpa, tivemos que tirá-la de você para prevenir acidentes. Mas se concordar em se aliar a nós, é toda sua.
- E o que te faz acreditar que não vou me voltar contra vocês assim que receber a arma?
- Nada, na verdade. Mas eu posso ver pelo seu estado que você não conseguiria matar um, quem dirá dois de nós. Você parece não comer há dias. Nem sei como está viva ainda. Nós te daremos comida. Eu te salvei. Acho que você está devendo o suficiente, não?
- Como se honra fosse grande coisa hoje em dia.
- Está dizendo que vai tentar se voltar contra a gente, então?
- Claro que não. Eu gostei de você. E quero minha arma de volta. E quero comida. - Nesse instante, meu estômago protesta violentamente e isso arranca um sorriso de Maiara.
- Só que você não respondeu à minha pergunta. Como é tão habilidosa com a faca? Você fez algum tipo de treinamento? É por isso que estávamos desconfiados de você pertencer a uma facção. - Ela se agacha ao meu lado, não sei se para me deixar mais confortável ou por estar cansada de ficar em pé. De qualquer forma, o gesto me acalma um pouco.
- Não faço parte de facção nenhuma. Estou sozinha há meses. Todos os companheiros que já tive estão mortos. Eu poderia estar mentindo, mas olhem meu estado. Se eu estivesse num grupo, o mínimo que carregaria comigo era um revólver. - Maiara sorri, como se esperasse essa resposta.
- Viu, Carlos? - Ela se vira para mim. - Acredito em você. Vou trazer um pouco de comida. - Maiara se levanta e se dirige até o outro cômodo, onde aparentemente se encontram os suprimentos, e volta com uma bandeja na mão, contendo milho e sardinha enlatados e um toddynho para tomar. - Bon appetit.
- Toddynho? Não via um desses há anos. Bom, obrigada pela refeição. - Acho que engulo tudo rápido demais, mas é verdade que eu estava há dias sem comer. Como todo o conteúdo das latas, que é bem mais do que o necessário para uma só pessoa, e tomo o Toddynho depois de verificar que ainda estava na validade (o que eles colocam nessas coisas?). - Então? Qual é o plano?
- Eu pensei na gente se conhecer primeiro. Não quer dizer o seu nome? - É a primeira vez que Carlos se dirige a mim. É um homem realmente forte e alto, vestido semelhante à Maiara, como se tivessem resolvido colocar um uniforme ou algo assim. A regata preta realça os músculos de seu peitoral e braço, o que me faz acreditar que ele deve ser exímio num combate corpo a corpo. Seu rosto é igualmente forte e possui traços muito definidos, parecendo ter sido moldado de algum tipo de granito. Os cabelos estão feitos num penteado black power que contrasta com os ângulos marcados do rosto. Imagino que sua desconfiança seja bem coerente, e pra falar a verdade, eu provavelmente agiria como ele se estivesse em seu lugar. Portanto, resolvo ceder.
- Vitória. Prazer.
- Profético. - Ele ri, num tom óbvio de ironia. - Ouviu isso? - Mas eu fico quieta, porque não ouvi absolutamente nada. E, ao mesmo tempo em que ele começa a falar, meu raciocínio havia chegado ao mesmo lugar: - Os zumbis foram embora.
- Acho que deveríamos verificar. Só por precaução. - digo, tentando me levantar, e dessa vez obtendo sucesso uma vez que meu corpo estava alimentado e o choque inicial dos acontecimentos havia passado.
- Podem deixar comigo! Olhos de Águia a postos! - Maiara escala o muro como um gato, com extrema facilidade, e parece observar o perímetro todo. - Nada. A essa altura devem estar bem longe. Bem, é nossa chance!
- O plano é o seguinte - começa Carlos, mas um barulho estrondoso seguido de um tremor no solo interrompe nossa amigável reunião. Estava bom demais para ser verdade. Olhamos ao redor tentando entender de onde o estrondo tinha vindo, e concluímos que fora num prédio no quarteirão vizinho. Na verdade, o local estava em ruínas e simplesmente desabou. O problema é que aquilo certamente atrairia os mortos-vivos, então precisaríamos agora do dobro de cautela para escapar de lá.
- Vocês sabem nadar? - pergunto. - A chuva parou. Poderíamos ir pelo rio. - é a minha sugestão, mas pelo olhar de espanto dos dois, não seria a melhor ideia.
- Mesmo que soubéssemos nadar, a correnteza está bem forte! - intervém Maiara, exaltada. - E o rio fica perigosamente largo a alguns quilômetros daqui. Certamente existem jeitos melhores de nos locomovermos.
- Sim. - responde Carlos. - Pelo alto. - ele olha para cima e o restante de nós acompanha seu olhar. Sem dúvida, os telhados são sempre os melhores caminhos para ficar longe dos zumbis. Mas são limitados. Existem áreas da cidade impossíveis de andar pelo alto. Não iremos muito longe.
- Então, é o que faremos. Vamos pelo alto até não conseguirmos mais, e depois pensamos em alguma coisa. Mas vocês têm alguma ideia da direção? Porque eu só venho, bem, vagando. Sobrevivendo. Como uma dessas coisas. - Maiara me lança um olhar estranho.
- Eu também me sinto como um deles às vezes. Digo, será que nós somos assim tão melhores? Porque, pela grande maioria dos seres humanos que encontrei em minha jornada, confesso que preferia um zumbi ao meu lado. - com essa, ela conseguiu expressar um sentimento que poderia ter saído de minha própria boca. Sorrio para ela e pela primeira vez em meses sinto que estou, de alguma forma, protegida. E que não estou mais sozinha.
- Eu estou emocionadíssimo com o momento romântico aqui, mas a gente precisa sair o quanto antes. - começa Carlos, reunindo os surpimentos. - Essa construção não vai aguentar muito, temo que o desabamento possa desencadear outros na região, e estamos perigosamente próximos. Sei para qual direção temos que ir, mas precisamos ir agora.
Sem precisar dizer mais uma palavra, Maiara e eu também nos colocamos a arrumar as mochilas e suprimentos, e em pouco tempo estávamos prontos para partir. A última coisa que ela pega é minha peixeira, que entrega para mim com um olhar firme. Retribuo o olhar, mostrando confiança, e partimos escalando o muro.
Telhado a telhado, caminhamos pela cidade da melhor forma que conseguimos. É terrível porque eu tenho mais medo de altura do que imaginava, e porque o caminho por cima é muito limitado. Temos que tomar cuidado para não dar voltas e acabar no mesmo lugar ou chegar a um ponto sem saída. Mas, eventualmente, após alguns dias ao relento e dividindo cuidadosamente os suprimentos, chegamos ao limite da cidade por onde saía uma estrada que chega às cidades litorâneas. Litoral não é uma má ideia, porque de repente podemos conseguir um barco e viver no mar, o que é livre de zumbis. Além disso, ouvi dizer que existe uma colônia de sobreviventes na cidade que um dia fora Santos, e não é daquelas assustadoras governadas por algum tipo de ditadura fascista onde os fracos são jogados aos zumbis. Imagino se ela existe mesmo e se seríamos permitidos lá dentro...
- Ei. Tá no mundo da lua, Vi? Estou falando com você. Oi! - De repente, percebo uma mão acenando bem na minha frente e ouço Maiara, que aparentemente estava falando comigo esse tempo todo enquanto eu viajava nos pensamentos. - Ah, voltou. Tá tudo legal?
- Sim. - digo, olhando para o horizonte infinito, onde o sol começava a se pôr. - É só que... Eu não me importo, sabem? Se conseguirmos ou não chegar à colônia, ou se ela nem existir. - Viro-me para Maiara e olho fixamente para seus olhos escuros, que encaram os meus verdes em total atenção e provavelmente um pouco de espanto. Mas ela não diz nada, deixando-me prosseguir. - Eu gosto de vocês. De verdade. Salvaram a minha vida e eu devo isso a vocês, mas não é só por isso. Eu só percebi o quão sozinha estava quando finalmente encontrei pessoas em quem senti que podia confiar. Sei que só faz alguns dias que estamos juntos, mas sabe quando parece rolar uma conexão instantânea? Uma coisa até de outras vidas, que vai muito mais além do aqui e agora. Eu senti isso com vocês. Sei que se conhecem há muito mais tempo e eu sou só uma intrusa maluca e problemática, mas... Obrigada. Eu não sabia que precisava de vocês até os encontrar. - Abaixando o tom de voz, digo quase num sussurro: - De você, principalmente.
Eu não percebi que estava chorando até Maiara estender a mão para colocar, delicadamente, o cabelo que estava tampando meu rosto atrás de minha orelha e enxugar minhas lágrimas com as pontas dos seus dedos. - Eu também. Sobre a colônia. Não ligo se existe ou não, se chegaremos lá ou não. O que importa é estar com vocês. São as pessoas mais incríveis que já conheci e nesse mundo todo fodido, são a coisa mais importante pra mim. Você é a peça que faltava pro nosso quebra-cabeça ficar completo, e encaixou perfeitamente. - Ela me encara e então se aproxima, ainda mais delicadamente, como se estivesse lidando com um animal frágil, algo que eu provavelmente parecia naquele momento, e encosta seus lábios nos meus, claramente esperando uma resposta. Eu não demoro a retribuir, selando aquele momento com um beijo que eu nem imaginava que poderia sequer sonhar num mundo tão caótico. Eu sempre pensei que morreria sem amar alguém de novo. Mas a vida tem dessas coisas, de nos colocar em situações inimagináveis.
Carlos se aproxima quando nos afastamos e abraça as duas apertado, como um abraço de urso, dando um beijo na testa de cada uma. Nós três nos damos as mãos e olhamos para o horizonte. As cores no céu, uma mistura esplêndida de azul, amarelo, laranja e lilás, e a paisagem à nossa frente, apenas uma estrada sem fim cercada de densa mata verde e cheia de vida, pareciam uma pintura que marcava um momento sublime, um momento no qual eu gostaria de ficar presa para sempre. Sim, é isso. Eu sei que as coisas podem dar errado, que podemos morrer a qualquer momento, que nossos planos podem ir pelos ares uma, duas, cem vezes. Mas o laço que criei com essas duas pessoas jamais será quebrado e, independente do que acontecer, eu posso ter certeza de que, finalmente, não estou mais sozinha.
Esta postagem fez parte da Blogagem Coletiva de outubro do Together, um projeto para unir a blogosfera! Para saber mais, é só clicar aqui! ♥
Sim, o suspense virou ação que virou romance lgbt+ com final feliz, quem amou? ♥ Obrigada pela leitura e tenham um ótimo e terrível halloween!
Hello!!
ResponderExcluirQue foda sua história! Sério, e o melhor teve final feliz mano! As que li até agora terminaram triste ou indefinido no caso da minha hahaha
Ficou muito show!
Bjinhos